Essa ficção relâmpago foi publicada no episódio 14 da segunda temporada da Faísca, uma newsletter semanal que traz contos curtinhos de fantasia e ficção científica para a sua caixa de e-mails. Não conhece? Assina logo! É de graça! O link é eepurl.com/ghH89v
Com um lenço, o rei enxugou o suor das têmporas e bradou, impaciente:
— O povo não aguenta mais tamanho calor! Temos que consertar esse maldito sol!
O monarca voltava de seu passeio matinal em uma liteira espaçosa, coberta por cetim e equipada com sopradores de ar movidos a nióbio. Desde o ano anterior, o segundo sol de Bozânia havia decidido que não se esconderia mais atrás dos anéis de ametista, o que tornou o verão insuportável. Os dias perderam o colorido violeta e ganharam um matiz esbranquiçado e ardente, fazendo os operários desmaiarem nos andaimes e os feirantes esconderem suas tendas nas sombras.
O vizir, que acompanhava a procissão a pé, olhou com desconfiança para o monarca, vendo-o gesticular enquanto continuava falando:
— Zorique — o rei o chamou —, reúna os feiticeiros mais proeminentes do mundo e ordene que me tragam uma solução para acabar com esse inferno!
Com uma expressão obediente e apática, o vizir assentiu e virou na primeira esquina para providenciar o feito.
Foram dezessete noites até os feiticeiros chegarem ao palácio. O primeiro que entrou no salão de audiências foi Erifre Ópula, com óculos pesados na ponta do nariz e uma barba branca que ia até a barriga. Curvado, mas com olhos brilhantes, vestia uma túnica escarlate e portava um cajado com uma estrela de ouro. Ele contou ao monarca que o destino dos astros era inalterável, e que tudo o que podiam fazer era amenizar o sofrimento do povo, dando-lhes telhas de barro para cobrirem suas casas e menos horas de trabalho por dia. Erifre prometeu um feitiço que adiantaria os relógios do reino, fazendo o dia começar antes do nascer do sol. Assim, os operários trabalhariam no frescor do fim da madrugada e descansariam após o almoço.
Com a tez rubra de indignação, o rei apontou para ele e gritou:
— O senhor comprometerá o orçamento do reino! Quer tornar meus operários vagabundos? Só pode estar interessado em derrubar o meu reinado!
O rei mandou prender o feiticeiro. Os guardas prontamente cercaram o sábio e o levaram embora. O vizir então mandou entrar o segundo feiticeiro, cujo nome era Meruteki Onira. Ele entrou vestindo um chapéu decorado com penas de diferentes pássaros e uma túnica feita de palha e couro. As pinturas em seu rosto — flores e animais coloridos em vermelho, azul e branco — moviam-se conforme ele falava. Profetizou que o sol só voltaria a se esconder nos anéis de ametista quando o reino devolvesse cor ao solo e brilho às águas dos rios.
O rei encarou Meruteki com o olhar azedo e a boca torta. O feiticeiro ainda prometeu derramar centenas de sementes pelo reino, e também um feitiço que as faria germinar e crescer em poucos dias para trazer sombra às ruas e frutas frescas o ano inteiro. O rei voltou a esboçar um sorriso, considerando a proposta. O feiticeiro esclareceu, entretanto, que havia uma condição para que o feitiço perdurasse: nenhuma árvore do reino poderia ser cerrada, ou todas as demais também morreriam. O rei torceu o nariz e bradou:
— E como terei madeira para erguer meus andaimes ou alimentar minhas forjas? Quer falir meus mercadores e acabar com a economia do reino? Pretende enfraquecer o meu poder para depois tomá-lo!
Novamente, o rei mandou prender o homem sábio, que foi retirado sob a mira de lanças. O vizir então trouxe o último feiticeiro, chamado Cálavo d’Orvalho. Ele tinha a boca murcha, torta para baixo, e um olho miúdo que parecia não enxergar muito bem. Vestia uma roupa preta opulenta, de camurça e veludo, que indicava que, embora vissem sua imagem, ele não estava ali presente de verdade. Devia viver em um reino frio e distante, e enviara apenas seu espectro, transmitido por algum feitiço à distância.
Cálavo olhou com altivez para o monarca e explicou que o fenômeno solar atípico era uma invenção dos inimigos do reino, que haviam feito uso de uma magia conhecida como falsos sortilégios. Somente quando o rei aniquilasse seus opositores é que o sol voltaria a se esconder nos anéis de ametista. Em seguida, ele propôs que, até que os inimigos fossem exterminados, o rei distribuísse peneiras de palha quando o povo reclamasse do calor.
— E não me oferecerá nenhum feitiço? — perguntou o rei.
O feiticeiro sorriu, presunçoso, e pediu que seus serviçais trouxessem seu presente. Eles adentraram o salão com uma enorme urna feita de carvalho. Cálavo explicou que, muito mais valiosa que um feitiço, ele trazia a mitológica caixa de Asinus. Segundo ele, era tudo de que o monarca precisava. A partir do momento que fosse aberta, a caixa disseminaria a inépcia pelo reino, e o povo iria aplaudi-lo e apoiá-lo sem objetar. O rei não entendeu do que aquilo se tratava, mas ficou entusiasmado com a ideia.
— Mas todos serão abençoados com a inépcia? — perguntou ele.
— Só aqueles que não a têm — sorriu o feiticeiro.
Satisfeitíssimo, o rei mandou instalar a caixa ao lado do trono, e também que a abrissem imediatamente. Mandou equipar o exército com as melhores armas e ordenou que os soldados caçassem seus inimigos. Aos demais… deu peneiras para taparem o sol.